Os Pastéis de Molho da Covilhã e o uso do açafrão
Embora hoje em dia o açafrão tenha sido redescoberto nos restaurantes e se tenha até tornado numa especiaria em moda, reintroduzida nos mais variados pratos pelos chefes de cozinha mais conceituados, é ainda na cozinha tradicional que este tem a sua principal aplicação.
A especiaria é utilizada em vários países sobretudo em pratos de arroz e de peixe.
Em França é usada na «bouillabaise», que é uma caldeirada de peixe e em Itália no «Risotto Milanese».
Mas é sobretudo em Espanha, por influência árabe, que o seu uso se mantém mais divulgado. Para além da célebre «Paelha à Valenciana» é utilizado em pratos de grão guisado, nos «huevos rellenos», no gaspacho de La Mancha, nos ovos estufados e na tortilha à espanhola com açafrão.
Em Portugal, para além do arroz de açafrão, presentemente pouco é utilizado nas casas de família. No entanto no tratado de culinária do século XV, no Livro de Receitas da Infanta D. Maria é-lhe feita referência, em várias receitas. São disso exemplos a Tigelada de perdiz e a de coelho, os canudos de ovos mexidos, a lampreia, o picadinho de carne de vaca, a galinha desfiada, «outra receita de galinha mourisca» e até nos pastéis de carne, entre outros.
Existe contudo uma especialidade regional, muito apreciada, que quero aqui mencionar e que é o «Pastel de Molho» da Covilhã.
Trata-se de um pastel de massa folhada recheado de carne, que é comido como sopa. Embora algumas pessoas o comam com caldo de carne ou chá, a forma mais frequente e típica de o apresentar, é coberto com um caldo quente de açafrão e vinagre. O pastel em si apresenta semelhanças com o «pastel de Chaves», que é também um pastel folhado recheado de carne picada, mas que nessa zona é comido seco.
Sempre me intrigou a presença desta associação de dois elementos da culinária árabe: a massa folhada e o açafrão, numa região como a Covilhã. É conhecida a influência dos romanos na região, mas sobre a influência árabe pouco se sabe.
É possível que a colónia árabe que ocupou aquela área entre os séculos VIII e X, à semelhança dos açudes do Paúl, aldeia próxima da Covilhã, a que é atribuída a mesma origem, nos tenha deixado estes pastéis, como um dos seus legados? Neste caso os pastéis de molho remontariam a muitos séculos atrás e para os apreciadores desta iguaria, espalhados por todo o país, quando têm a oportunidade de os comer, devem ficar gratos às poucas pessoas que ainda hoje mantém esta tradição.